Quando se fala em planejamento tributário e criação de holdings imobiliárias e familiares, um dos pontos cruciais que surge é a integralização de imóveis ao capital social da empresa. A criação de empresas desse tipo pode ser uma excelente estratégia para a organização e proteção patrimonial e economia de tributos, mas muitos se perguntam: é necessário pagar o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na operação de transferência de imóveis para a empresa?
Este artigo visa esclarecer essa dúvida e mostrar estratégias que estão sendo usadas para você economizar ao criar sua holding.

O que é ITBI e Quando Incide?
O ITBI é basicamente um imposto municipal que incide sobre a transmissão de imóveis. Normalmente, este tributo é uma preocupação para quem está adquirindo ou transferindo propriedades. Contudo, no contexto da criação de holdings, surge a dúvida sobre a incidência desse imposto quando um imóvel é transferido para a empresa.
Como regra, nossa Constituição Federal (artigo 156, I, §2º) prevê que o ITBI não incide “sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital”. Isso significa que, em teoria, ao transferir um imóvel para sua empresa, não deveria haver cobrança do ITBI. Trata-se de uma imunidade constitucional, ou seja, dispositivo que impede a cobrança de certos impostos em determinadas situações.

Só que há uma exceção importante a essa regra, prevista no final do dispositivo: essa imunidade não se aplica se a atividade principal da empresa for a administração de imóveis próprios (venda ou locação de imóveis), cenário comum em holdings patrimoniais, já que elas são normalmente criadas para melhor administração dos imóveis de uma pessoa ou família.
Portanto, a transmissão dos imóveis para a pessoa jurídica pode ou não estar sujeita ao ITBI. Se for transmitida para uma empresa de administração de imóveis, estará sujeita ao imposto, já que esta pessoa jurídica tem como atividade preponderante “a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” (exceção à imunidade). No final das contas, “o requisito principal, para o reconhecimento da imunidade, está relacionado à preponderância da atividade, calculada com base na receita operacional da pessoa jurídica”[1].
Controvérsias judiciais sobre a questão
Apesar dos Municípios brasileiros cobrarem o ITBI na transferência dos imóveis para empresas administradoras de imóveis, rejeitando qualquer impugnação que questione a cobrança, a aplicação da imunidade do ITBI em casos de holdings é um tema de intensos debates e controvérsias judiciais.
Existem relevantes precedentes judiciais favoráveis aos contribuintes, incluindo decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que podem ser interpretados como um sinal positivo para aqueles que buscam o reconhecimento da imunidade mesmo no caso da empresa criada ter como atividade principal a administração de imóveis.
O que está em jogo basicamente é uma controvérsia interpretativa sobre o alcance da expressão “nesses casos” prevista no artigo 156, I, §2, da Constituição Federal.
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
A dúvida é se ele se referiria a imunidade de incorporação de imóveis ao patrimônio de pessoa jurídica ou aos casos de “fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”. Em julgamento do STF, os julgadores fizeram a observação de que a exceção realmente não se aplicaria para os casos de integralização do capital social, ou seja, não incide o ITBI nesse tipo de caso:
(…) É dizer, a incorporação de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, que está na primeira parte do inciso I do § 2º, do art. 156 da CF/88, não se confunde com as figuras jurídicas societárias da incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas referidas na segunda parte do referido inciso I.(…) Em outras palavras, a segunda oração contida no inciso I – “ nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” – revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão “nesses casos” não alcança o “outro caso” referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF.” (RE 796376, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-210 DIVULG 24-08-2020 PUBLIC 25-08-2020)

Nos tribunais estaduais vem pipocando decisões que seguem essa orientação, como o importante precedente do TJDFT (07051150320218070018), no qual ficou consignado o seguinte:
(…) O art. 156, §2o, I, da Constituição da República estabelece duas hipóteses de imunidade relativamente ao ITBI, a primeira delas incondicionada e a segunda, condicionada. São elas: a) não incide ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital; b) não incide ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. (…)
Assim, sedimentou a interpretação de que a imunidade do ITBI relativa à integralização de capital social é incondicionada e a condição de não exercer atividade preponderantemente para se beneficiar dessa imunidade alcança apenas as hipóteses de transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
Diante dessas boas perspectivas judicias, muitas famílias optam por ingressar com ação judicial para evitar a incidência do ITBI, o que pode ser uma excelente estratégia, garantindo uma significativa economia tributária.
Estratégias para não pagar o ITBI
As estratégias mais usadas na criação de holdings e transferência de imóveis sem a incidência de ITBI são:
(1) Criar uma empresa que não tenha como atividade principal a administração de imóveis, ou seja, que não tenha esse objeto social e cuja receita operacional seja composta por menos de 50% (cinquenta por cento) de rendimentos relacionados com a compra e venda ou locação de imóveis próprios (art. 37, §1, CTN).
(2) Criar a empresa e mantê-la inativa por por três anos, deixando-a sem receita nesse período. Após esse prazo, é feita a alteração do objeto social para a locação ou venda de imóveis e a empresa passa a ter receita, unicamente para usufruir da imunidade concedida pela Constituição quanto ao ITBI. Os tribunais ora reconhecem essa estratégia como legítima e em alguns casos como abusiva e ilegal. Por isso, é um planejamento arriscado e muitas vezes visto como simulação pela fiscalização tributária.
(3) Ajuizar uma ação judicial para ter reconhecida a imunidade tributária nesse tipo de operação, com fundamento em ótimos precedentes do STF e dos Tribunais Estaduais. Trata-se de estratégia bem sucedida em vários Estados, mas que ainda depende de uma decisão definitiva do STF.

Conclusão
Embora os municípios continuem cobrando o ITBI sobre a integralização de imóveis em holdings, há fundamentos legais e jurisprudenciais sólidos para contestar essa exigência. Se você está pensando em formar uma holding familiar ou imobiliária, é crucial considerar essa questão tributária e buscar orientação especializada para proteger seu patrimônio e economizar impostos.
[1] BRAICHI, Thiago. Afinal de contas, incide ITBI na integralização de capital com imóveis? Disponível em: < https://legislacaoemercados.capitalaberto.com.br/afinal-de-contas-incide-itbi-na-integralizacao-de-capital-com-imoveis>.1